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19/10/2016
Relatos de um missionário
”Ah! Se pudessem pesar minha aflição, e pôr na balança com ela meu infortúnio! Esta aqui pareceria mais pesada do que a areia dos mares” (Jó 6,2-3)

Meus irmãos e irmãs em Cristo, paz e bem!


Hoje começo uma das mais tristes partilhas desde minha chegada ao Haiti há 2 anos, não sei ao certo por onde começar.


Desde que comecei a escutar sobre a passagem do Furacão Mateus sobre o Haiti meu coração se apequenou, via as notícias internacionais mostrando os preparativos para a passagem do furacão na Jamaica, Republica Dominicana, Cuba e até nos Estados Unidos, cinco dias antes de chegar ao Haiti, e nada se falava por aqui, as pessoas desconheciam a fúria que se aproximava. Alguns chegavam a dizer, é mais um ciclone, irá chover bastante e ventar. Mas não era isso que mostrava o Centro de Pesquisas nos EUA.


E realmente o mais terrível furacão dos últimos 10 anos no caribe, e no Haiti, dos últimos 50 anos. Chegou na costa sul do país na noite de 3 de outubro, seus ventos fortes duraram mais de 12 horas em algumas localidades, o centro do furacão entrou com tudo na manhã daquela quarta feira, 4 de outubro, com ventos de até 250 Km/h e avançando lentamente (7 a 9 Km/h) ceifando vidas, destruindo casas, derrubando arvores imensas, postes de energia, levando carros, arrasando plantações, matando animais, provocando inundações, destruindo pontes.


Durante dois dias as notícias chegavam desencontradas, a comunicação foi totalmente cortada nessas áreas, falava-se em destruição e morte mas nada certo. A preocupação e a angustia tomava conta de todos que tinham amigos e parentes nessas áreas. Somente 3 dias depois os helicópteros começaram a sobrevoara as áreas afetadas e a dimensão da destruição começou a ser sinalizada. O número de vítimas aumentava a cada instante, 50, 100, 200, 300, 500, 700, 1000 .... e não se saberá ao certo. Algumas localidades ficaram isoladas totalmente por mais de uma semana. Vimos e ouvimos esforços do mundo todo para ajudar as vítimas, falam em 1,5 milhões de pessoas atingidas.


Esse final de semana eu e o frei Gabriel pegamos carona com quatro irmãs missionarias Brasileiras, Maria, Rosangela, Ideneide, e Vanderleia, pertencentes a comunidade intercongregacional da CRB (Conferencia dos Religiosos do Brasil) fomos até as áreas atingidas. Dormimos na cidade de Aquin na casa das Irmãs Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora (onde estão duas brasileiras) que nos emprestaram seu carro para seguirmos em direção as cidades da costa sul (pois ainda estamos sem carro). 

Foi uma experiência de muita tristeza e desolação. Eu e frei Gabriel saímos da cidade de Aquin sem ter muita certeza de onde conseguiríamos chegar, tínhamos o desejo de chegar até a cidade de Tiburon, considerada de difícil acesso. O desejo era reconhecer possíveis áreas de atuação e ajuda, preferencialmente áreas de difícil acesso onde as ajudas chegariam de forma mais escassa. Passamos pela 3 maior cidade do Haiti, Les Cayes, onde começamos a ver os maiores estragos.


Ao chegar no seminário para conversarmos com Pe Loubeau (Oblato de Maria), o primeiro sinal impressionava, uma enorme árvore do quintal arrancada com raiz, assim como alguns pés de coqueiro. Ele nos deu o contato de todos os padres das paróquias destas cidades litorâneas até chegar em Tiburon, e nos alertou da dificuldade de chegarmos lá. Foi muito prestativo, nos escreveu uma carta recomendando aos padres, todos de sua Congregação, para nos acolher se necessário. Tínhamos a intenção de dormir e retornar só no domingo.


Saímos sem conhecer o caminho, e com pacotes de bolacha, água, algumas maças, sem saber o que iríamos encontrar. Ao saírmos de Les Cayes (Okay – em creolo) em direção as cidades litorâneas já fomos sentindo a presença devastadora do furacão. Na estrada, movimentada, os postes de energia pareciam peças de domino tombadas uma atrás da outra, árvores enormes caídas, muitas arrancadas pela raiz, inúmeras casas destelhadas, destruídas ou com árvores e postes sobre elas. Vimos contêineres tombados e arrastados para outro lado da rodovia.


As pessoas ao longo da estrada pareciam tentar retomar a rotina, muitas pessoas carregando telhas de zinco para recobrir as casas, alguns a pé, outros em motos, nos tap-tap, e nos burrinhos (pessoas que moram nas montanhas). Crianças brincavam nos troncos de árvores caídas, como se fosse um parque de diversão. Era só o começo. Foram cerca de 30 km até chegarmos a Port-Salut, uma linda cidade turística, conversamos com o padre que nos levou ao terraço da casa para ver os estragos. Lá avistamos a praia e as casas e o local onde haviam as casas da vila dos pescadores.Desolador... em alguns locais víamos somente a marca do piso das casas, não sobrou nada, outras somente uma das paredes. O mar invadiu, além dos ventos forte e das chuvas. Do salão paroquial não sobrou nenhuma telha. O Padre Ethener nos disse que todas as capelas do interior, das montanhas foram destruídas assim como as plantações e as árvores: “este será um Natal de muita fome”, disse ele ao frei Gabriel.


”Ah! Se pudessem pesar minha aflição, e pôr na balança com ela meu infortúnio! Esta aqui pareceria mais pesada do que a areia dos mares” (Jó 6,2-3).


No caminho a cena que impressionou foi um caminhão com donativos da Igreja Metodista sendo escoltado e as pessoas correndo pelas ruas na esperança que ele parasse para pegarem donativos. Em outra localidade vimos um aglomerado de pessoas em frente a base da Polícia Nacional do Haiti, e os mesmos tentando organizar distribuição de alguns donativos. 

Seguimos em direção a outra cidade, Roche-à-Bateaux, e outra cena impressionante, casas a beira mar totalmente destruídas, locais onde antes ficavam hotéis para turismo agora só escombros. Ao chegar na cidade, um pequeno vilarejo na verdade, nos deparamos com a igreja sem nenhuma cobertura. Conversamos com uma irmã haitiana que trabalha com a escola paroquial, e disse não ter sobrado uma telha da escola e da casa delas. Os livros e todo material escolar perdido. O padre Sérgio nos mostrou a realidade da Igreja, sem nenhuma estrutura do telhado, e com todos os livros de registro, livros litúrgico, de canto, bíblias... tudo molhado, ou destruído. O Salão paroquial veio a baixo, não sobrou uma parede.


Enquanto esperava o padre uma senhora se aproximou de nós e começou a conversar. Disse que morava atrás de um pequeno morro, atrás da grande antena e que sua casa havia sido destruída. Pedia ajuda. Ao explicar que não tínhamos no momento e depois retornaríamos ela pediu para anotar seu nome, Lívia. Disse que sim. Como não fiz nenhuma anotação ela insistiu, “você não vai anotar meu nome?” – disse não necessitar, ela respondeu “mas você não vai fazer um cadastro meu?”, e eu disse que quando voltasse procuraria ela, e ela desconfiada me disse, “você vai esquecer!”. Depois que conversamos com o padre, na hora de ir embora, ela veio e me questionou novamente. Foi então que olhei para ela e disse: “Madame Lívia, quando eu voltar virei aqui e perguntarei, ‘onde é a casa da dona Livia, que fica atrás do monte perto da antena?’”, no mesmo instante ela sorriu e me abraçou fortemente e disse: “você não vai esquecer de mim”.


A esperança de que pudéssemos trazer algo, a esperança de dona Lívia é a esperança de todos que tiveram suas vidas afetadas pelo furacão. Havia muitas das pessoas nos vilarejos que ficavam sentadas na porta das casas destruídas, ficavam na beira das rodovias olhando os carros que passavam na esperança de que algo chegasse até eles. Vimos sim, algumas pessoas recolhendo as telhas retorcidas, arrumando seus telhados, cobrindo com algumas lonas doadas, outras, porém, sem possibilidade nenhuma talvez pelo próprio desalento imposto pela força da natureza. No caminho passamos por uma cena inusitada, no vilarejo de Damassin, com as casas bem simples e destelhadas, na igreja, destelhada, um casamento acontecia. A vida continua, existe esperança em meio ao desespero.


Logo um desafio, passar dentro do rio, já que a ponte estava interditada. Ali vimos máquinas trabalhando para tentar melhorar o desvio pelo rio. Em seguida uma cena impressionante, uma praia, que devia ser belíssima, com coqueiros em ambos os lados da rodovia, agora só restava tronco de árvores caídas pelo chão. E no meio das árvores uma criança procurando coco. Essa cena me marcou muito, pois quando falamos de fome e miséria temos que pensar que as árvores frutíferas eram a fonte de alimentação e de renda para muitos, especialmente os mais pobres.
Chegamos a Port-à-Piment e a cena se repetia, casas simples destruídas, pessoas nas calçadas nos acompanhando com os olhos, a igreja sem nenhuma cobertura. Procuramos o padre e um velório acontecia em uma sala do centro de catequese, único local que restou para acolher os familiares. Desolado disse que nem mesmo as relva que cobria as montanhas restou. Disse que poderíamos chegar nas próximas duas cidades e não mais, seria difícil ir a Tiburon, muito arriscado, e apontou ainda para a chuva que começava nas montanhas. Então nos despedimos e resolvemos voltar para não ficarmos presos e ilhados.


Voltamos revisando as cenas como se não quiséssemos esquecer as marcas do furacão. Pelo imprevisto decidimos ir até Abacou, cidade também atingida onde residem duas comunidades religiosas de brasileiros. No caminho de 20 km de estrada de pedra demos carona para duas senhoras que tinham ido a Les Cayes vender carvão. Elas nos falaram com tom desesperador. “Não sei o que será de nós de agora em diante, não temos mais pés de coco, não temos pés de banana, nem de veritab (fruta pão), nem as plantações, perdemos tudo”.


Ao chegarmos o frei Aldir, capuchinho brasileiro nos recebeu com grata surpresa, e ficamos imensamente felizes ao vê-lo também, pois até então não tínhamos conseguido fazer contato. Ele logo nos foi mostrando alguns dos estragos. Em seguida, frei Abél (haitiano) e as irmãs Vera e Rute (brasileiras da Congregação das irmãs de Santa Catarina de Alexandria) vieram nos acolher. Nos contaram como foi terrível a experiência da passagem do furacão, mesmo estando em uma casa segura (de alvenaria), e que acabou abrigando mais de 60 pessoas, disseram ter vivido uma experiência de morte. Os vidros se quebrando, a chuva invadindo de todos os lados, as árvores caindo, o barulho, as telhas das casas, escola, igreja, etc. o vento era tão forte que as vezes os empurrava contra as paredes.


Uma bela experiência foi a coragem desprendida de frei Abél que, por volta das 3 horas da madrugada, ao ver que alguns locais que serviam de abrigo também estavam sendo destelhados e ameaçados, colocou a capa de chuva e foi (em meio a tempestade) procurar e trazer essas pessoas para casa. Algumas pessoas ao chegarem seguras percebiam que faltavam parente e no desespero saiam procurar. Assim foi com uma família que percebeu a falta de uma criança e saíram a sua procura em meio a tempestade e escuridão, ao chegarem com ela na casa dos freis o avô segurou em pé a criança apertada em seus braços, imóvel, durante longos minutos, sem que ninguém pudesse retira-la desse abrigo-seguro de seus braços. Assim ficamos partilhando durante a noite. Choveu tanto aquela noite que fui acordado com o barulho e a água que entrava pela janela, uma coisa vinha em minha mente: as pessoas nas casas sem telhado.


No retorno passamos pela base dos militares brasileiros da ONU que atuam na ajuda direta às vítimas e na abertura de acessos para as localidades mais distantes, para que o auxílio possa chegar. Conversamos com o Tenente Coronel Basi, da Engenharia, e com outros militares, escutamos relatos também que nos deixaram impressionados, e nos despedimos deixando o compromisso de oração por eles. No caminho de volta havia um silêncio inquietante no carro, eu e o frei Gabriel quase não falávamos, poucas palavras. Cada um tentava digerir as imagens e relatos desses dois dias.


Ao chegar em Aquin, depois de descarregar as coisas do carro, subi até a capela da casa e lá estava o frei Gabriel, diante do sacrário, sentado, corpo encurvado e cabeça entre as mãos, imóvel, com certeza fazendo o mesmo que eu queria fazer, colocar nas mãos de Deus tudo aquilo que trazíamos no coração e na alma: o clamor de seus filhos e filhas haitianos.


Termino essa partilha de forma diferente das outras pois preciso ser porta-voz dos que sofrem.


Ajude-nos a ajudar.


Contribua de alguma forma, divulgue, faça sua doação.


Segue abaixo nossas contas no Brasil que são específicas para a missão do Haiti.
Deus o recompense.


Frei Afonso Lamberti Obici, fnpd


Contas 


Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus
CNPJ: 19.611.676.0001-40


Banco do Brasil
Ag: 06916-7
CC: 06682-6


Bradesco
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CC: 47100-3


Santander
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